Texto Base: ÊXODO 20:15; 22:1-9
“Aquele que furtava não furte mais;
antes, trabalhe, fazendo com as mãos o que é bom, para que tenha o que repartir
com o que tiver necessidade” (Ef 4:28).
INTRODUÇÃO
Dando continuidade ao estudo do Decálogo
estudaremos nesta Aula o Oitavo Mandamento: “Não furtarás”. Este mandamento apresenta nossa obrigação
moral para com o próximo no tocante à propriedade; é uma proibição formal
contra toda e qualquer forma de furto. Segundo
Hans Ulrich Reifler, "não furtar"
significa não possuir coisa alguma que não tenha sido obtida por meios lícitos e
honestos. Ninguém nasce criminoso ou ladrão. Portanto, o problema principal da
natureza do furto está nas atitudes corrompidas que levam a esta prática. Furtar
não implica apenas na apropriação indevida de bens alheios, mas também na
corrupção do coração do furtador. Por isso Jesus Cristo enfatizou que “do coração procedem os maus pensamentos,
mortes, adultérios, prostituição, furtos,
falsos testemunhos e blasfêmias” (Mt 15:19).
I. O OITAVO MANDAMENTO
O Oitavo Mandamento
pressupõe o direito individual de adquirir e administrar propriedades, mas visa
evitar a subtração oculta do alheio, contra a vontade de seu dono legítimo.
Este Mandamento
foi dado a Israel como preceito jurídico e religioso, mas no Novo Testamento o
tema é espiritual, pois os ladrões e roubadores não herdarão o Reino de Deus
(1Co 6:10).
1.
Abrangência. Este mandamento abrange qualquer negócio
com vantagem ilícita em detrimento de outrem. As três passagens principais da lei mosaica que tratam da apropriação
indevida são: Êxodo 22:1-15, Levítico 19:35-37 e Deuteronômio 25:13-16. Mas o
problema do furto é muito mais abrangente. O Antigo Testamento inclui várias
modalidades de furto: o negócio frauduloso (Êx 22:9), o uso de duas medidas que
talvez tenha sido a modalidade mais praticada (Lv 19:35-37; Dt 25:13-16; Am
8:5), o roubo de animais grandes e pequenos (Êx 22:1) e o arrombamento de casas
(Êx 22:2).
Veja outras
modalidades de furto: uso de violência para adquirir bens alheios; fraude
comercial; medidas comerciais indevidas; negligência e falta de diligência no
trabalho; exploração de preços e impostos; adulteração de produtos, preços,
medidas e regras comerciais; apropriação indevida de comissões e gorjetas;
suborno; desvio de verbas públicas; ágio e qualquer forma de desonestidade
pessoal, comercial ou governamental.
O atraso propositado do
pagamento do trabalhador bem como o uso de medidas viciadas era considerado
como roubo (Lv 19:13; Dt 25:13-16). Diz o texto sagrado: “Não furtareis, nem mentireis, nem usareis de
falsidade cada um com o seu próximo; Não oprimirás o teu próximo, nem o roubarás; a paga do jornaleiro
não ficará contigo até à manhã” (Dt 19:11,13).
Os exemplos
históricos mais conhecidos em Israel são o roubo dos ídolos domésticos
praticado por Raquel (Gn 31:19,30), a história trágica de Acã (Jz 7:1-26) e a
corrupção generalizada nos dias do profeta Oséias (Os 4:1,2).
2.
Objetivo do Oitavo Mandamento. O propósito do Oitavo
Mandamento é a proteção e o respeito pelos bens alheios e pelo próximo. Ninguém tem o direito de subtrair o que não lhe
pertence. Nem mesmo o Estado pode lançar mão da propriedade alheia. O rei Acabe
se apoderou ilegitimamente do campo de Nabote e tal atitude deixou Deus irado,
por isso mandou o profeta Elias ditar o destino desse monarca com sua esposa Jezabel
(1Rs 21:17-19).
3.
Contexto. O Oitavo Mandamento diz respeito a roubo de
bens e, provavelmente, a sequestros.
A ligação com o tráfico de pessoas se baseia na inferência de Êxodo 21:16:
"E quem furtar algum homem e o vender; ou for achado na mão, certamente
morrerá". Este preceito reaparece mais adiante, em Dt 24:7, que diz: “Quando se achar alguém que furtar um dentre os seus irmãos dos
filhos de Israel, e com ele ganhar, e o vender, o tal ladrão morrerá, e tirarás
o mal do meio de ti”. E o verbo hebraico gãnav("roubar, furtar"), que aparece no Oitavo Mandamento
"não furtarás", é o mesmo
usado nesses dois versículos. O pr. Esequias Soares escreveu: “Pessoas eram
roubadas na antiguidade para serem vendidas como escravas, como aconteceu com
José do Egito que foi vendido pelos próprios irmãos” (Gn 37:22-28). O próprio
José disse: "De fato, fui roubado da
terra dos hebreus" (Gn 40:35).
Mas o preceito se
refere também a furto de bens materiais. O direito de propriedade é confirmado,
e condena-se qualquer tentativa de se conseguir algo de graça. O mandamento
combate a filosofia do “o que é seu é meu; logo, vou tomar isso de você”. Segundo
Victor P. Hamilton, o antídoto contra o roubo aparece nas palavras de Paulo
para a igreja de Filipos: “O meu Deus, segundo as suas riquezas, suprirá todas
as vossas necessidades” (Fp 4:19), mas tal promessa cobre apenas necessidades,
não ganância.
II. A VERSÃO INIBIDORA E CRÍTICA DO
OITAVO MANDAMENTO (1)
1. No Antigo
Testamento. Para evitar o
furto e proteger o dono legítimo, a lei previa uma restituição que variava
conforme o valor comercial do objeto ou animal roubado. Quem roubasse e matasse
um boi precisava restituir seu valor cinco vezes; se fosse uma ovelha, deveria
pagar quatro vezes (Êx 22:1). Se o animal fosse encontrado vivo, exigia-se
apenas o dobro de seu valor, porque ele ainda era comerciável (Êx 22:4). A
restituição por valores domésticos (roupas e joias) equivalia ao total do valor
real (Êx 22:3). Se o criminoso não tivesse como pagar a restituição, ele
deveria ser "vendido por seu furto" (Êx 22:3). Casos duvidosos eram
levados aos juízes (Dt 22:8,9).
Na sexta visão de
Zacarias, consta que outra consequência do furto é a expulsão (Zc 5:1-4); infelizmente,
não sabemos a que tipo de expulsão o profeta se referia, mas provavelmente era
a expulsão da comunhão viva com Javé, que implicava na morte física.
O furto de Acã
foi qualificado por Javé como violação da aliança do Senhor (Js 7:15). O rei
Salomão escreveu que "balança enganosa é abominação para o Senhor"
(Pv 11:1); também chamou o roubo de pecado e o ladrão de companheiro da
destruição (Pv 28:24). O profeta Jeremias também qualificou o furto como abominação
(Jr 7:9,10).
2. No Novo Testamento. No encontro com o jovem rico, o Senhor Jesus faz
valer a exigência moral do Oitavo Mandamento – “Jesus disse: Não matarás, não cometerás adultério, não furtarás, não dirás falso testemunho” (Mt 19:18).
O apóstolo Paulo reafirma a versão inibidora deste mandamento para a igreja de Roma: “... não furtarás... (Rm 13:9c). Outro
exemplo de versão inibidora do Oitavo Mandamento no Novo Testamento é a
exortação paulina aos efésios: "Aquele
que furtava, não furte mais" (Ef 4:28a). Em sua carta pessoal a Tito
(Tt 2:10), Paulo reafirma que o furto é errado.
O apóstolo Pedro se preocupava com os cristãos da Ásia para que não sofressem por causa
da prática do furto – “Que nenhum de vós
padeça como homicida, ou ladrão...” (1Pe 4:15).
III. A
VERSÃO POSITIVA E CONSTRUTIVA DO OITAVO MANDAMENTO (2)
1. No Antigo
Testamento. O Antigo
Testamento contém muitas referências bíblicas que mostram a equivalência
positiva do Oitavo Mandamento.
a) O respeito às propriedades alheias impede a
cobiça descontrolada. Por isso a lei
de Moisés diz que não se deve mudar os marcos fixados pelos antigos – “Não mudes os marcos do teu
próximo, que os antigos fixaram na tua herança, na terra que o SENHOR, teu
Deus, te dá para a possuíres”
(Dt 19:14).
b) A confiança no Senhor. O homem que confia no Senhor e está convicto da
suficiência de Deus não se deixa iludir facilmente pela confiança materialista.
Isso não significa que o homem que confia no Senhor não trabalha, não se
responsabiliza ou não se esforça para obter o sustento adequado com suas
próprias mãos, mas, sim, que sua atitude está cheia de fé na justa provisão de
Deus, que de fato faz prosperar quem nEle confia (Pv 28:25).
c) A honestidade comercial. Isto evita a apropriação ilegítima de coisas que
não nos pertencem (majoração de preços acima do mercado, lucros excessivos,
ágio e outras modalidades que prejudicam o consumidor). O peso integral e justo
(Dt 25:15) evita o roubo. Comerciantes desonestos correm o risco de abreviar
suas vidas, porque podem levar seus fregueses a reações incontroláveis.
d) A honestidade do trabalhador. Isto também contribui para diminuir e evitar
furtos e roubos. O trabalho honesto nos sustentará e nos fará felizes e
realizados: "Do trabalho de tuas
mãos comerás, feliz serás, e tudo te irá bem" (Sl 128:2). Por isso, os
incentivos econômicos do governo devem fortalecer a produção, gerar empregos e
evitar a especulação. Os empregados devem ser diligentes e dóceis, mostrando
obediência a seus patrões.
e) A justiça trabalhista. Salários humanos e justos não só reduzem a
criminalidade urbana, mas também constituem um incentivo indispensável à
produção e prosperidade de uma nação. O trabalhador satisfeito fará muito mais
por sua empresa do que o funcionário oprimido. Os salários devem ser pagos em
dia, no tempo certo (Dt 24:15a). O não cumprimento dessa medida é pecado (Dt 24:15b)
e vai contra a justiça trabalhista.
2. No Novo Testamento. O Novo Testamento reafirma as versões positivas do
Oitavo Mandamento que se encontram no Antigo Testamento.
a) A confiança na providência do Senhor. Essa versão positiva é salientada em Mateus 6:33,
Filipenses 4:19. Essa confiança não é passiva: ela se expressa na busca,
petição, oração e fé em Cristo.
b) Honestidade comercial. Em Tito 2:10, a honestidade comercial é
qualificada como o contrário do furto e uma forma de ornar a doutrina de Deus -
“não defraudando; antes, mostrando toda a boa
lealdade, para que, em tudo, sejam ornamento da doutrina de Deus, nosso
Salvador”.
c) O trabalho honesto e assistência ao necessitado. O trabalho honesto como substituto positivo do
furto é mencionado em Efésios 4:28: "Aquele
que furtava, não furte mais: antes trabalhe, fazendo com as próprias mãos o que
é bom, para que tenha com que acudir ao necessitado". Parece que o
apóstolo Paulo nos fornece aqui uma verdadeira terapia para recuperar um
ladrão. Em vez de exigir sua expulsão ou morte, como no Antigo Testamento,
Paulo lhe dá uma segunda chance: o trabalho honesto das próprias mãos para o autossustento
e para acudir ao necessitado. O trabalho honesto e uma relação concreta com o
necessitado formam, então, os dois pilares construtivos que vencem a tentação
do furto.
IV. O TRABALHO (3)
Vinculado
a Oitavo Mandamento está o trabalho como recurso para que cada um possa obter o
sustento de sua família de maneira digna. É geralmente através do labor que se
criam condições para adquirir terras, imóveis e móveis, e para movimentar uma
conta bancária. "Aquele que furtava, não furte mais; antes trabalhe,
fazendo com as próprias mãos o que é bom, para que tenha com que acudir ao
necessitado" (Ef 4:28). Vamos então verificar como o Antigo e o Novo
Testamentos encaram o trabalho.
1.
No Antigo Testamento. No
Antigo Testamento, o trabalho é um mandato da criação. "Tomou, pois, o Senhor Deus ao homem e o
colocou no jardim do Éden para o cultivar e o guardar" (Gn 2:15). O
homem recebeu a ordem de cultivar e guardar a terra. O cuidado e a proteção do
meio-ambiente (a preocupação ecológica) fazem parte do mandato da criação. A
exploração econômica (cultivar) e a proteção ecológica (guardar) formam dois
pilares fundamentais do trabalho humano dentro dos princípios da criação. Note
bem: o que foi maldito não é o trabalho em si, mas a terra.
a)
Todos devem trabalhar. "Seis dias trabalharás, mas ao sétimo dia descansarás, quer na aradura
quer na sega" (Êx 34:21). Geralmente, usa-se este versículo para
provar que o homem precisa descansar um dia por semana. Mas isso também indica
que o homem deve trabalhar durante seis dias. Israel interpretou tal passagem
como uma diretriz para o trabalho: a negligência e a preguiça não eram bem
vistas (Pv 6:6-8); quem não cuidava de seus familiares era isolado da
comunidade.
b)
O trabalho traz satisfação. Embora o trabalho humano não esteja
isento das consequências da queda (Gn 3:17-19), ele também traz satisfação:
"Em todo trabalho há proveito (ou
lucro)" (Pv 14:23a); e "pelo
que vi não haver cousa melhor do que alegrar-se o homem nas suas obras, porque
essa é a sua recompensa" (Ec 3:22). Pode-se questionar se esses
versículos são aplicáveis numa situação de salários indignos e de opressão
contra o trabalhador, mas, no período do Antigo Testamento, o principal
trabalho era a lavoura ainda não mecanizada, e a justa distribuição das terras
produtivas ajudou a diminuir as discrepâncias sociais em Israel. Tratava-se,
portanto, de uma situação ideal. Mas isso não significa que, na intenção de
Deus, o trabalho humano não deveria trazer satisfação.
c)
Todo trabalho honesto é louvável. O Antigo Testamento
menciona o trabalho remunerado (1Rs 5:7-18), o trabalho artístico (Êx 36:1,2),
a atividade agrícola (Êx 22:1ss.), o trabalho espiritual (sacerdotes, levitas,
profetas e alunos de profetas) e o trabalho musical (1Cr 6:31-48; 15:16; 25:7).
2.
No Novo Testamento. O Novo Testamento não anula, mas
alarga os princípios mencionados no Antigo Testamento.
a) Uma pessoa normal não pode viver na
ociosidade. O trabalho é uma das
demonstrações mais eloquentes da dignidade da pessoa humana. Quem,
decididamente, se entrega ao ócio, e se deixa dominar pela preguiça,
acaba doente. São estas pessoas as frequentadoras contumazes dos divãs dos
psicanalistas, e dos consultórios dos psicólogos.
Paulo foi enfático: "Se alguém não quer trabalhar,
também não coma" (2Ts 3:10). Dura é esta advertência
do apóstolo contra aqueles cristãos de Tessalônica que se julgavam vocacionados
para uma tarefa mais sublime do que a de sustentar os próprios familiares. Em
2Ts 3:14, Paulo chega a desaconselhar contatos sociais com pessoas que não
querem trabalhar.
Portanto, uma pessoa
normal não pode viver sem trabalhar, mesmo não precisando prover sua
subsistência. É claro que muitos, embora desejando trabalhar, são impedidos,
quer por incapacidade física, mental, ou social. Estes, em sendo necessário,
devem ser ajudados pelo Serviço Social da Igreja, ou por algum “irmão”, em
particular.
b)
Cuide dos familiares. "Ora,
se alguém não tem cuidado dos seus e especialmente dos de sua própria casa, tem
negado a fé, e é pior do que o descrente" (1Tm 5.8). De acordo com
este versículo, o cuidado pelos familiares prova a sinceridade da fé. Mas é
preciso distinguir entre a cobiça e o sustento realmente necessário para a
família. O cuidado pelos familiares é uma ordem divina, mas o desejo de possuir
cada vez mais, que acaba negligenciando a comunhão viva no lar, é
contraproducente e pode causar graves problemas emocionais e sociais.
c)
Faça o trabalho com sinceridade. Em Colossenses 3:22,
vemos que Paulo deseja que os escravos obedeçam em tudo a seus senhores segundo
a carne, não servindo apenas sob vigilância, visando tão-somente agradar
homens, mas com singeleza de coração, temendo ao Senhor. Hoje em dia, é
impossível exigir que um empregado preste obediência cega a seu patrão, pois
nossa situação industrial é totalmente diferente daquela do primeiro século da
era cristã. As circunstâncias mudam, mas o princípio da sinceridade no trabalho
é uma virtude que faz uma empresa conquistar seu espaço comercial para o
bem-estar do empregador e do empregado.
d)
Seja um empregador justo. Assim como o empregado tem suas
responsabilidades específicas, o empregador é convidado a fazer sua parte a fim
de que haja equidade e justiça para todos. Paulo orienta os chefes e os
senhores: "... tratai aos servos com justiça e com equidade, certos de que
também vós tendes Senhor no céu" (Cl 4:1). A posição de senhor obriga à
justiça e equidade. O motivo para tal atitude é de caráter escatológico: eles
também têm sobre si um Senhor que julgará seus atos no dia final.
e) O
trabalho secular e as tarefas espirituais são conciliáveis.
Jesus era carpinteiro e, ao mesmo tempo, rabino e o Filho do Deus altíssimo.
Paulo era fabricante de tendas e apóstolo dos gentios. Pedro era pescador e
apóstolo dos judeus. Lídia era vendedora de púrpura e testemunha fiel de
Cristo. Conclui-se, portanto, que o Novo Testamento não favorece uma dicotomia
inconciliável entre o trabalho secular e as tarefas espirituais.
O cristão não é motivado a trabalhar apenas
por razões econômicas: em última análise, tudo
o que o cristão faz ele o faz para o Senhor (Cl 3:23). Eis porque ele deve
trabalhar com todo o coração.
CONCLUSÃO
“Não haverá paz numa sociedade se não houver proteção da propriedade. Isso inclui o compromisso de cada um na construção de uma sociedade justa e saudável. Deus concedeu a todos os seres humanos o direito de adquirir bens materiais, desde que essa aquisição seja de maneira honesta e envolva o trabalho” (Esequias Soares).
Fonte: ebdweb
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