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segunda-feira, 10 de outubro de 2011

A VERDADEIRA LIBERDADE






Uma das melhores maneiras de compartilhar o evan¬gelho com os homens e as mulheres de hoje é apresentá-lo em termos de liberdade. Existem pelo menos três argumentos que podem ser usados nessa abordagem.

Primeiro, a liberdade é um assunto extremamente atra¬ente. A revolta mundial contra a autoridade, iniciada na década de sessenta, é vista como sinônimo de uma busca mundial por liberdade. Muita gente é obcecada com a liber¬dade e passa a vida inteira a persegui-la. Para alguns, é uma questão de libertação nacional, emancipação de um jugo colonial ou neocolonial. Para outros, trata-se de direitos civis, e assim protestam contra discriminação racial, reli¬giosa ou étnica e exigem a proteção de opiniões das minorias. E ainda há outros cuja preocupação é a busca por liberdade económica, libertação da fome, da pobreza e do desemprego. Ao mesmo tempo, todos nós nos preocupamos com a nossa liberdade pessoal. Até aqueles que lutam mais ardentemen¬te pelos outros tipos de liberdade aqui mencionadas (naci¬onal, civil e económica) geralmente sabem que eles mesmos não são livres. Eles nem sempre conseguem dar um nome às tiranias que os oprimem. Todavia, sentem-se frustrados, não-realizados e sem liberdade.

Numa entrevista com o consagradíssimo novelista John Fowles, publicada sob o título "Uma Espécie de Exílio em Lyme Regis", Daniel Halpern perguntou-lhe: "Existe al¬gum retrato específico do mundo que você gostaria de desenvolver em sua obra? Alguma coisa que continua sendo importante para você?" "Sim", respondeu John Fowles. "Liberdade. Como alcançar a liberdade. Isto me obceca.

Todos os meus livros falam sobre isso."

Segundo, liberdade é uma tremenda palavra cristã. Jesus Cristo é retratado no Novo Testamento como o supremo libertador do mundo. "O Espírito do Senhor está sobre mim", declarou ele, aplicando a si mesmo uma profecia do Antigo Testamento, "pelo que me ungiu para evangelizar nos pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, e apregoar o ano aceitável do Senhor." Quer Jesus estivesse se referindo aos pobres, cativos, cegos e oprimidos no sentido material ou espiritual, quer nos dois sentidos (esta questão continua se constituindo em vee¬mente debate), as boas novas por ele proclamadas foram certamente de "liberdade" ou "libertação". Mais tarde, em seu ministério público, ele acrescentou a promessa: "Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres". E daí o apóstolo Paulo tornou-se o defensor da liberdade cristã e escreveu: "Para a liberdade foi que Cristo nos libertou. Permanecei, pois, firmes e não vos submetais de novo a jugo de escravidão". Para aqueles que consideram "salvação" um jargão religioso e desprovido de sentido, ou mesmo algo embaraçoso, "liberdade" é um excelente subs¬tituto. Ser salvo por Jesus Cristo é ser libertado.

Terceiro, liberdade é uma palavra muito mal interpre¬tada. Mesmo aqueles que falam mais alto e há mais tempo acerca da liberdade nem sempre param antes para definir de que é que estão falando. Um bom exemplo é o do orador marxista que, plantado numa esquina, discursava com eloquência sobre a liberdade que todos haveríamos de desfrutar depois da revolução. "Quando nós conseguirmos a liberdade", exclamava ele, "todos vocês poderão fumar cigarros como aquele ali", disse, apontando para um opulento cidadão que ia passando.

"Eu prefiro meu cigarro de palha", gritou um gozador.

"Quando formos libertados", continuou o marxista, ig¬norando a interrupção e esquentando mais o assunto, "todos vocês poderão andar num carro daqueles", e apon¬tou para um suntuoso Mercedes que ia passando.

"Eu prefiro minha bicicleta", gritou o perturbador. E assim o diálogo continuou, até que o marxista, não supor¬tando mais as gozações, voltou-se para o homem e disse: "Quando formos livres, você só fará aquilo que lhe man¬darem!"

O aspecto negativo: libertação de

Mas, então, o que é liberdade? Uma verdadeira definição tem que começar com o lado negativo. Temos que iden¬tificar as forças que nos tiranizam e que, portanto, inibem a nossa liberdade. Somente então conseguiremos compreen¬der como é que Cristo pode nos libertar.

Primeiro, Jesus Cristo nos oferece libertação da culpa. Nós deveríamos ser gratos pela reação generalizada contra a insistência de Freud de que os sentimentos de culpa são sintomas patológicos de doença mental. Alguns deles com certeza o são, especialmente em certos tipos de enfermidade depressiva; mas nem toda culpa é falsa. Pelo contrário, cresce cada vez mais o número de psicólogos e psicote¬rapeutas contemporâneos que, mesmo não professando a fé cristã, nos dizem que precisamos levar a sério as nossas responsabilidades. O falecido Dr. Hobart Mowrer, da Universidade de Illinois, por exemplo, entendia a vida humana em termos contratuais e via o "pecado" como uma quebra de contrato que deve receber uma reparação. A Bíblia certamente sempre enfatizou, tanto as nossas obri¬gações como seres humanos, como a nossa falha ao dei¬xarmos de cumpri-las. Nós, em particular, temos buscado afirmação colocando-nos contra o amor e a autoridade de Deus e contra o bem-estar do nosso próximo. Usando uma linguagem cristã bem direta, nós, além de pecadores, somos também pecadores culpados, e a nossa consciência nos diz isso. Conforme uma das piadas de Mark Twain, "o homem é o único animal que fica envergonhado - ou que precisa fazê-lo".

Agora, ninguém que não tenha sido perdoado é livre. Se cu não tivesse certeza da misericórdia e do perdão de Deus, não conseguiria olhar ninguém nos olhos, e muito menos a Deus (o que é mais importante). Eu iria querer fugir e esconder-me, como fizeram Adão e Eva no Jardim do Éden. Afinal, foi no Éden, e não em Watergate, que inventaram pela primeira vez o estratagema chamado "esconder". Eu com certeza não seria livre. Um pouco antes de morrer, em 1988, em um momento de surpreendente sinceridade na televisão, Marghanita Laski, uma das mais conhecidas humanistas e novelistas seculares, declarou: "O que eu mais invejo em vocês, cristãos, é o perdão que vocês têm. Mu não tenho ninguém para me perdoar."

"Mas", como os cristãos bem que gostariam de gritar de cima dos telhados, fazendo eco ao salmista penitente, "em Deus está o perdão", pois ele, em seu amor por pecadores como nós, veio participar do nosso mundo na pessoa de seu Filho. Tendo vivido uma vida de perfeita retidão, ele, na sua morte, identificou-se com os injustos. Levou o nosso pecado, a nossa culpa, a nossa morte em nosso lugar, a fim de que fôssemos perdoados.

A liberdade, portanto, começa com o perdão. Lembro-me de um estudante de uma universidade no norte da Inglaterra, que havia sido criado no espiritismo mas fora levado por um colega a uma reunião cristã, onde ouviu o evangelho. No fim-de-semana seguinte começou uma in¬tensa batalha pela sua alma, até que (como ele escreveria mais tarde) ele gritou em desespero para que Jesus Cristo o salvasse. Então, continuou ele, "Jesus realmente veio a mim. Eu senti um amor verdadeiro, real - nem dá para descrever. Era pura beleza e serenidade. E apesar do fato de que eu nada sabia acerca de salvação e pecado, e nem mesmo sabia o que significava isso, eu simplesmente soube que estava perdoado... Eu estava incrivelmente feliz!"

Segundo, Jesus Cristo nos oferece libertação do nosso ego. Certa vez, conversando com uns crentes judeus, Jesus lhes disse: "Se vós permanecerdes nas minhas palavras, sois verdadeiramente meus discípulos. E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará."

Na mesma hora eles ficaram indignados. Como é que ele ousava dizer que eles precisavam de algum tipo de liber¬tação? "Somos descendência de Abraão", eles retrucaram, "e jamais fomos escravos de alguém; como dizes tu: Sereis livres?"

Jesus replicou: "Em verdade, em verdade vos digo: Todo o que comete pecado é escravo do pecado."

Portanto, se a culpa é o primeiro tipo de escravidão do qual precisamos ser libertados, o segundo é o pecado. E o que significa isto? Assim como "salvação", "pecado" é uma palavra que pertence ao vocabulário tradicional cristão. "Eu não sou pecador", diz a maioria das pessoas, pois elas parecem associar pecado com crimes específicos e sensa¬cionais, como matar, adulterar ou roubar. Mas "pecado" tem uma conotação muito mais ampla do que isso. Eu mesmo me recordo de quão revelador foi para mim des¬cobrir, especialmente através dos ensinamentos de William Temple, que o que a Bíblia quer dizer com "pecado" é, antes de tudo, egocentrismo. Afinal, os dois grandes mandamen¬tos de Deus são, primeiro, que o amemos com todo o nosso ser; e, segundo, que amemos o nosso próximo como a nós mesmos. Pecado é, portanto, inverter essa ordem. É colocar a nós mesmos em primeiro lugar, virtualmente proclaman¬do nossa própria autonomia, depois o nosso próximo, segundo a nossa conveniência, e depois, então, Deus, em algum lugarzinho lá nos bastidores.

O egocentrismo é um fenômeno presente em toda a experiência humana. Isto se evidencia na rica variedade de palavras da nossa língua que incluem o componente "ego" ou "auto". Quantas delas carregam em si um sentido pejorativo ou negativo? Egoísmo, egolatria, auto-afirmação, auto-acusação, auto-agressão, autopiedade, auto-comiseração, autodestruição, auto-indulgência, auto¬promoção, autopunição, auto-suficiência...

Além do mais, nosso egocentrismo é de uma tirania terrível. Malcolm Muggeridge costumava falar e escrever a respeito do "calabouçozinho escuro que é o meu próprio eu". E que escuridão tem esse calabouço! Deixar-se absor¬ver nos próprios interesses e ambições egoístas, sem qualquer consideração pela glória de Deus ou pelo bem-estar dos outros, é estar confinado na mais intrincada e insalubre das prisões.

Mas Jesus Cristo, que ressurgiu dentre os mortos e está vivo, pode nos libertar. Nós podemos conhecer "o poder da sua ressurreição". Ou, colocando a mesma verdade em outras palavras, o Jesus que vive pode, através do seu Espírito, impregnar a nossa personalidade e virar-nos do avesso. Não que nós sejamos perfeitos, é claro; só que, pelo poder do seu Espírito que habita em nós, pelo menos já começamos a experimentar uma transformação do eu para o não-eu. Nossa personalidade, antes fechada em si mesma, começa a abrir-se para Cristo, assim como uma flor se abre para o sol nascente.

Em terceiro lugar, Jesus Cristo nos oferece libertação do medo. O velho mundo para o qual ele veio vivia ate¬morizado pelos poderes que, conforme se acreditava, ha¬bitavam as estrelas. Ainda hoje a religião tradicional de povos tribais primitivos é assombrada por espíritos ma¬lignos que precisam ser aplacados. A vida de homens e mulheres de hoje é igualmente atormentada pelo medo, desde os medos comuns que sempre afligiram os seres humanos — medo da doença, do luto, da velhice e da morte — até o medo do desconhecido, do oculto e da extinção nuclear. A maioria de nós também já sofreu algumas vezes de medos irracionais, e é impressionante ver quanta gente educada alimenta medos supersticiosos. Batem três vezes na madeira, cruzam os dedos, carregam amuletos e recusam-se a sentar na poltrona de número 13 porque dá azar... É por isso que em muitos hotéis nos Estados Unidos não existe o décimo-terceiro andar. Ao subir no elevador, se você observar o painel iluminado, verá que os números pulam de 10, 11, 12 para 14. As pessoas são tão supers¬ticiosas para dormir no andar número 13 que não se dão conta de que aquele continua sendo o décimo-terceiro andar, mesmo que o tenham denominado de décimo-quarto! Já na Inglaterra, de acordo com uma recente pesquisa de opi¬niões, embora nove décimos da população ainda acredite em algum tipo de Deus, o número de adultos que lêem o seu horóscopo toda semana é o dobro dos que lêem a Bíblia.

Todo medo traz consigo uma dose de paralisia. Ninguém que tenha medo é livre. Além do mais, o medo é como o fungo: cresce mais rapidamente no escuro. É essencial, portanto, trazer à luz os nossos medos e olhar para eles, especialmente à luz da vitória e supremacia de Jesus Cristo. Afinal de contas, aquele que morreu e ressuscitou foi também exaltado à mão direita de Deus Pai, e tudo foi posto "debaixo de seus pés". Portanto, onde estão as coisas que antes temíamos? Elas estão debaixo dos pés de Cristo, o Cristo triunfante! Quando nós as enxergamos ali, então o poder que elas tinham de nos aterrorizar é destruído.

Medo e liberdade são mutuamente incompatíveis. Para mim, isso foi bem ilustrado certa vez por um jovem palestrante africano. Tínhamos andado discutindo sobre a necessidade de os cristãos se interessarem mais pela História Natural como sendo criação de Deus. "Antes de me tornar um cristão", disse ele, "eu tinha medo de muitas coisas — principalmente de cobra. Mas agora acho difícil matar uma cobra, pois gosto de ficar olhando para elas. Graças a Deus, agora sou livre de verdade."



O aspecto positivo: liberdade para

Até aqui nós estabelecemos uma relação entre as tiranias que impedem a nossa libertação e os três principais eventos da experiência de Jesus Cristo: sua morte, ressurreição e exaltação. Há libertação da culpa porque ele morreu por nós; libertação do ego porque podemos viver na força da sua ressurreição; e libertação do medo porque ele reina, com todas as coisas debaixo de seus pés.

É, no entanto, um equívoco muito sério definir liberdade em termos inteiramente negativos, embora o dicionário cometa este engano. Segundo o dicionário, liberdade é "supressão ou ausência de toda a opressão considerada anormal, ilegítima, amoral", enquanto que livre é aquele "que pode dispor de sua pessoa; que não está sujeito a algum senhor (por oposição a servil, escravo). Que não está privado de sua liberdade física; que não está prisioneiro; solto". Mas tudo que é negativo tem o seu lado positivo. O ver¬dadeiro grito de liberdade clama não somente por resgate de alguma tirania, mas também por liberdade para viver uma vida plena e significativa. Quando um país é libertado de um regime colonialista, torna-se livre para descobrir e desenvolver sua própria identidade nacional. Quando a imprensa é libertada do controle e da censura do governo, torna-se livre para publicar a verdade. E uma minoria racial, quando é libertada da discriminação, fica livre para desfrutar de respeito e dignidade própria. Afinal de contas, quando um país não é livre, o que lhe é negado é o direito de ser nação; quando não há liberdade de imprensa, o que se lhe nega é a verdade; e quando uma minoria não é livre, o que lhe é negado é o respeito próprio.

Qual é, então, a liberdade positiva dos seres humanos? Em 1970 Michael Ramsey pregou na Universidade de Cambridge uma série de quatro sermões, que foram pos¬teriormente publicados sob o título A Liberdade, a Fé e o Futuro. No primeiro ele apresentou a questão: "Nós sabemos de que queremos libertar os homens. Será que sabemos para que queremos libertá-los?" E passou a responder a sua própria pergunta. Nossa luta por aquelas liberdades "que mais sensivelmente agitam nossos senti-mentos" (por exemplo, ser libertos da perseguição, da prisão arbitrária, da fome e da pobreza destruidoras) deveria sempre se situar "no contexto da questão mais radical e revolucionária, isto é, que o homem seja liberto do seu ego e para a glória de Deus."

A questão que precisamos perseguir é esta: para que é que Cristo nos liberta? Eis aqui o princípio: a verdadeira liberdade é a liberdade para sermos nós mesmos, tal como Deus nos criou e como ele tencionava que nós fôssemos. E como se pode aplicar este princípio?

Vamos começar com o próprio Deus. Você já pensou no fato de que Deus é o único ser que goza de perfeita liberdade? Até se poderia argumentar que Deus não é livre. Afinal, o certo é que a liberdade dele não é absoluta, no sentido de poder fazer absolutamente qualquer coisa. A Escritura nos diz que ele não pode mentir, tentar ou ser tentado, nem pode tolerar o mal. Não obstante, a liberdade de Deus é perfeita, no sentido de que ele é livre para fazer absolu¬tamente qualquer coisa que ele queira. A liberdade de Deus é liberdade para ser sempre inteiramente ele mesmo. Deus nada tem de arbitrário, taciturno, inconstante ou imprevisível. Ele é constante, estável, imutável. De fato, a coisa principal que a Escritura nos diz que ele "não pode" fazer (não pode porque nunca o fará) é contradizer-se. "Ele não pode negar-se a si mesmo." Fazê-lo seria, não liber¬dade, mas autodestruição. A liberdade de Deus reside no fato de ser ele mesmo, assim como ele é.

E o que acontece com Deus, o Criador, também acontece com todas as coisas e seres criados. Liberdade absoluta, liberdade ilimitada, é pura ilusão. Se isso é impossível para Deus (como de fato o é), mais impossível ainda é para a criação de Deus. A liberdade de Deus é liberdade para ser ele mesmo; nossa liberdade é liberdade para sermos nós mesmos. A liberdade de toda criatura é limitada pela na¬tureza que Deus lhe deu.

O peixe, por exemplo. Deus criou os peixes para viverem o se desenvolverem na água. Suas guelras são adaptadas para absorver o oxigênio da água. A água é o único elemento em que o peixe pode ser peixe, encontrar sua identidade de peixe, sua realização, sua liberdade. Uma liberdade que se limita à água, é verdade; dentro dessa limitação, porém, ela é liberdade. Suponhamos que você tenha em casa um peixe tropical. Ele vive, não num desses tanques retan¬gulares arejados e modernos, mas num daqueles velhos aquários redondos e antiquados. E lá está o seu peixinho, nadando de um lado para outro no seu bendito aquário, até que, quando a sua frustração se torna insuportável, ele decide apostar na liberdade e salta para fora do seu confinamento. Se por acaso ele conseguir pular dentro de uma poça no seu jardim, aumentará sua liberdade. Continua sendo água, só que ali tem ainda mais água para ele nadar. Agora, se ele aterrissar no carpete ou no cimento, aí a sua tentativa de escapar acabará dando, não em liberdade, mas em morte.

E os seres humanos? Se os peixes foram feitos para a água,'os seres humanos foram feitos para quê? Eu acho que a nossa resposta é a seguinte: se a água é o elemento em que os peixes se encontram como peixes, então o elemento em que os humanos se encontram como huma¬nos é o amor, as relações de amor. Morris West dá-nos um exemplo impressionante disto em seu livro Filhos do Sol, que conta a história dos scugnizzi, os meninos de rua abandonados de Nápoles, e do amor de Frei Mário Borelli por eles. "Existe em nós (os napolitanos) uma coisa que nunca muda", disse Mário para Morris. "Nós necessita¬mos tanto de amor quanto um peixe necessita de água, ou uma ave de ar." E então explicou que cada um dos scugnizzi que ele conhecia "tinha saído de casa porque não havia mais amor para ele".

Mas não são apenas as crianças de rua do mundo que necessitam amar e ser amadas, e que descobrem que vida significa amor. Todos nós somos assim. É no amor que nos encontramos e nos realizamos. Além do mais, não é preciso ir muito longe para buscar a razão para isso. É porque Deus é amor em sua essência, de tal forma que, quando ele nos criou à sua própria imagem, deu-nos a capacidade de amar assim como ele ama. Não é à toa, portanto, que os dois grandes mandamentos de Deus são amá-lo e amar uns aos outros, pois é esse o nosso destino. Uma existência verdadeiramente humana é impossível sem amor. Viver é amar, e sem amor nós murchamos e mor¬remos. Como expressou Robert Southwell, poeta católico romano do século XVI: "Não quando eu respiro, mas sim quando eu amo, aí é que eu vivo." Ele provavelmente estava fazendo eco à observação de Agostinho, de que a alma vive onde ela ama, não onde ela existe.

O verdadeiro amor, no entanto, impõe restrições ao amante, pois o amor é essencialmente autodoador. E isto nos leva a um surpreendente paradoxo cristão. A verda¬deira liberdade é a liberdade para ser eu mesmo, assim como Deus me fez e como ele pretendia que eu fosse. E Deus me fez para amar. Mas amar é dar, é autodoação. Portanto, para ser eu mesmo, eu tenho que negar-me a mim mesmo e doar-me. Para ser livre eu tenho que servir. Para viver, eu tenho que morrer para o meu próprio egocentrismo. E, para encontrar-me, tenho que esbanjar-me em dar amor.

A verdadeira liberdade é, pois, exatamente o oposto do que muita gente pensa. Não é ser livre de toda a respon¬sabilidade que tenho para com Deus e os outros, a fim de viver para mim mesmo. Isto é ser escravo do meu próprio egocentrismo. Pelo contrário, a verdadeira liberdade é a libertação do meu tolo e diminuto ego, a fim de viver responsavelmente em amor a Deus e aos outros.

Mas a mente secular não consegue captar este paradoxo cristão da liberdade através do amor. Por exemplo, a no¬velista francesa Françoise Sagan deu uma entrevista pouco antes de completar cinquenta anos, em 1985. Ela disse que estava perfeitamente satisfeita com sua vida e que nada tinha a lamentar.

"Você teve a liberdade que queria?"

"Sim", disse ela, esclarecendo sua declaração: "Natu¬ralmente, eu sempre era menos livre quando estava apai¬xonada por alguém... Mas não se vive apaixonada o tempo todo. A não ser por esse tempo... Sou livre, sim."

A implicação é clara: o amor inibe a liberdade. Quanto mais se ama, menos livre se é, e vice-versa. Presume-se, portanto, que para ser completamente livre é preciso evitar as complicações do amor, ou seja, o jeito é desistir com¬pletamente de amar.

Mas Jesus ensinou exatamente o contrário em um de seus epigramas favoritos, que ele parece ter citado em diferentes formas e contextos. "Quem quiser, pois, salvar a sua vida, perdê-la-á", disse ele; "e quem perder a vida por causa de mim e do evangelho, salvá-la-á." Eu achava que Jesus estivesse se referindo a mártires que dão a vida por ele. E o princípio que ele estava enunciando certamente inclui a estes. Mas a "vida" de que ele está falando, que tanto pode ser salva como perdida, não é a nossa existência física (zoe), mas a nossa alma ou ego (psyche) usada não poucas vezes em lugar do reflexivo referente à primeira pessoa ("me/mim"). Poderíamos então parafrasear o epigrama de Jesus nos seguintes termos: "Se você insiste em apegar-se a si mesmo e em viver para si mesmo, re¬cusando-se a desligar-se do seu eu, você está perdido. Mas se estiver disposto a doar-se em amor, então, no momento do completo abandono, quando você pensar que tudo está perdido, acontecerá o milagre e você encontrará a si e à sua liberdade." Só o serviço sacrificial, o dar-se a si mesmo em amor a Deus e aos outros, é que é a perfeita liberdade.

A verdadeira liberdade, portanto, combina o negativo (libertação de) com o positivo (liberdade para). Ou, dito de uma outra forma, ela concilia a libertação da tirania com a liberdade submetida à autoridade. Jesus ilustra isto num dos seus mais conhecidos convites:

Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecar¬regados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para as vossas almas. Porque o meu jugo é suave e o meu fardo é leve.

Existem aqui, na verdade, dois convites, ligados a uma única promessa. A promessa é "descanso", que parece abranger a idéia de libertação. "Eu vos aliviarei", diz Jesus (versículo 28). E acrescenta: "Achareis descanso para as vossas almas" (versículo 29). Mas a quem ele promete descanso? Primeiro, àqueles que vêm a ele "cansados e sobrecarregados", pois ele tira os seus fardos e os liberta. Depois, ele dá descanso àqueles que tomam sobre si o seu jugo e aprendem dele. Assim, o verdadeiro descanso se encontra em Jesus Cristo, nosso Salvador, que nos liberta da tirania da culpa, do ego e do medo, e em Jesus Cristo, nosso Senhor, quando nos submetemos a sua autoridade e ensino. Afinal, o seu jugo é suave, o seu fardo é leve e ele mesmo é "manso e humilde de coração".

Fonte: OUÇA O ESPIRITO , OUÇA O O MUNDO ( Jonh Stott)



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