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sábado, 5 de maio de 2012

TRADIÇÃO X LIBERDADE CRISTÃ


A Segunda polarização desnecessária na igreja contemporânea refere-se a “conservadores” e “radicais”. Devemos começar pela definição dos termos. Por “conservador” estamo-nos referindo às pessoas que estão determinadas a conservar ou preservar o passado e são, por isso, resistentes a mudanças. Por “radical” referimo-nos às pessoas que estão em rebelião contra o que é herdado do passado e estão, por isso, fazendo agitações por mudanças.


Deixai-me, agora, definir mais precisamente em que sentido cada crente deveria ser um conservador e um radical, ao mesmo tempo: Cada crente deveria ser conservador porque toda a Igreja é chamada por Deus para conservar sua revelação, para “guardar o depósito” (I Tm. 6:20; II Tm 1:14), para “batalhar pela fé que uma vez foi dada aos santos”, Jd 3. A tarefa da Igreja não é continuar inventando novos evangelhos, novas teologias, novas moralidades e novos cristianismos, mas, antes, ser uma guardiã fiel do único Evangelho eterno, pois a auto-revelação de Deus alcançou sua consumação no seu Filho Jesus Cristo e no testemunho apostólico de Cristo, preservado no Novo Testamento. Isto não pode ser alterado de forma alguma: É imutável em verdade e autoridade.

Os quatro autores do livro “Growing into Union” (Crescendo em União) expressaram este ponto com vigor: “A primeira tarefa da Igreja é manter as boas-novas intactas. É melhor falar do hábito mental que esta vocação requer como “conservacionista” do que como “conservador”, pois a Segunda palavra pode facilmente sugerir uma tendência antiquária: por ser antigo, por ser velho, e uma resistência cega ao pensamento novo, e não é absolutamente a respeito disso que estamos falando.

Antiquarianismo e obscurantismo são vícios da mente cristã, mas conservadorismo está entre as suas virtudes” (SPCK 1970, p. 103).

Alguns crentes, contudo, não limitam o conservantismo deles à teologia bíblica que professam. O fato é que são conservadores por natureza. Eles são conservadores na política e na perspectiva social, no estilo de vida, no estilo de vestir, no estilo de cortar o cabelo, no estilo da barba, em qualquer outro tipo de estilo que se mencione.

Não estão apenas atolados na lama, a lama deles endureceu como concreto. Mudança de qualquer tipo é anátema para eles. São como o duque inglês, o qual teria dito durante seus dias de estudante na Universidade de Cambridge: “Qualquer mudança , em qualquer tempo e por qualquer razão, deve ser deplorada!” O slogan favorito é: “Como foi no princípio, é agora e será para sempre. Amém!”

Um “radical”, por outro lado, é alguém que faz perguntas grosseiras sobre as tradições estabelecidas. Ele não considera qualquer tradição, qualquer convenção e qualquer instituição (ainda que antiga) como sendo sacrossanta. Ele não reverencia “vaca sagrada” alguma. Pelo contrário, está preparado para submeter qualquer coisa herdada do passado ao escrutínio crítico. E seu escrutínio geralmente leva-o a querer reformas, até mesmo revolução (embora, sendo um crente, opte pela não-violência).

Um radical reconhece a rapidez com que a cena do mundo está mudando hoje. Ele não se sente ameaçado por isto, nem é seu primeiro instinto comportar-se como o rei Canute e tentar prender a mudança da maré crescente. Alvin Toffer define “choque do futuro”, a expressão que ele inventou, como paralelo a “choque cultural”, nestes termos: “choque do futuro é a desorientação vertiginosa produzida pela chegada prematura do futuro. Pode bem ser a mais importante moléstia de amanhã...” (p.19). Mas o radical não fica chocado com isto. Sabendo que mudanças são inevitáveis, ele dá-lhes as boas-vindas e se ajusta para a chegada de qualquer mudança. E até mesmo a inicia.

Parece então à primeira vista, que conservadores e radicais estão em oposição e que não podemos fazer outra coisa senão polarizar nesta questão. Mas não é bem assim. Não é bem entendido que nosso Senhor Jesus Cristo foi conciliatoriamente um conservador e um radical, embora em esferas diferentes. Não existe a menor dúvida de que ele foi um conservador em sua atitude para com as Escrituras. As Escrituras não podem ser anuladas, “nem um jota ou um til se omitirá da lei, sem que tudo seja cumprido”, (Jo. 10:17; Mt. 5:17,18). Uma das principais queixas de Jesus contra os líderes judeus da sua época referia-se ao desrespeito por parte deles pelas Escrituras do Velho Testamento e à falta de uma verdadeira submissão à sua autoridade divina.

Mas Jesus pode também ser verdadeiramente descrito como um radical. Ele foi um crítico mordaz e destemido do tradicionalismo judeu, não somente devido à insuficiente lealdade que havia para com a Palavra de Deus, mas, também, devido à lealdade exagerada às próprias tradições humanas. Jesus teve a temeridade de lançar fora séculos de tradições que tinham sido herdadas, “as tradições dos anciãos”, para que a Palavra de Deus pudesse ser apreciada e novamente obedecida. (Mc. 7:1-13). Ele foi, também, muito ousado nas violações das convenções sociais. Insistiu em preocupar-se com todas as áreas da comunidade que eram normalmente menosprezadas: falou com mulheres em público, o que não era aceito nos seus dias, convidou crianças para que viessem a Ele, embora na sociedade romana crianças rejeitadas fossem geralmente “abandonadas” ou deixadas ao relento, o que levou os discípulos a acharem que ele não gostaria de ser incomodado por elas. Ele permitiu que prostitutas o tocassem (os fariseus afastavam-se delas horrorizados) e Ele mesmo, na realidade, tocou num leproso intocável (os fariseus apedrejavam-nos para que fossem mantidos à distância). Destas e de outras maneiras, Jesus recusou-se a ser preso por costumes humanos: sua mente e consciência estavam presas unicamente à Palavra de Deus.

Por conseguinte, Jesus foi uma combinação única do conservador e do radical: conservador em relação às Escrituras, e radical no eu escrutínio (seu escrutínio bíblico) de todas as outras coisas.

Ora, o discípulo não está acima do seu mestre, como Jesus freqüentemente dizia. Portanto, se Jesus pode combinar conservadorismo e radicalismo, assim podemos nós, que afirmamos segui-lo. Verdadeiramente, devemos fazê-lo, se formos leais a Ele. Há uma necessidade urgente para que mais “C Rs “surgem na Igreja; agora, não mais representando as iniciais para católicos romanos, mas para conservadores radicais. É uma necessidade que cristãos evangélicos desenvolvam um discernimento mais crítico entre o que não é possível ser modificado e o que pode, e mesmo deve ser.

Deixai-me dar um exemplo do que não é possível ser modificado:

Era costume, nos dias passados, ter o Pai Nosso, os Dez Mandamentos e o Credo dos Apóstolos pintados na parede leste de muitas igrejas inglesas, para ser visto e lido por todos. Na igreja de uma vila, as letras tinham ficado desbotadas e um pintor desenhista foi contratado para retocá-las. Na ocasião oportuna (assim a estória é contada), o conselho da igreja ficou alarmado com a conta que lhe foi apresentada.

Acontecendo isso antes da implantação do sistema decimal, a conta foi lida como segue:

Pela reparação do Pai Nosso 10 s.

Pelos três Mandamentos novos 12s.

Por ter feito um Credo completamente novo 17s 6d.

Por outro lado, embora tenhamos autoridade para alterar o Credo ou os Mandamentos que Deus tem revelado, todavia (como Leighton Ford disse corretamente, em 1959, no Congresso Americano sobre Evangelismo, em Minneápolis) “Deus não está preso ao inglês do século dezessete, nem aos hinos do século dezoito, nem á arquitetura do século dezenove, nem aos clichês do século vinte”, nem (alguém pode adicionar) a muitas outras coisas. Embora Ele mesmo nunca mude, nem tampouco sua revelação, Ele é, também, o Deus que age, chamando sempre o seu povo para empreendimentos novos e venturosos.

Mais particularmente, todos nós necessitamos discernir com clareza entre Escrituras e cultura. As Escrituras são a Palavra de Deus eterna e imutável, mas cultura é uma mistura de tradição eclesiástica, convenção social e criatividade artística. Seja qual for a “autoridade” que a cultura possa ter, ela é derivada da Igreja e da comunidade, não podendo exigir uma imunidade ao cristianismo ou reforma. Pelo contrário, cultura muda de época para época e de lugar para lugar. Além do mais, nós crentes, que dizemos desejar viver sob a autoridade da Palavra de Deus, deveríamos submeter nossa cultura contemporânea a um contínuo escrutínio bíblico. Longe de ressentirmo-nos com a mudança cultural ou de resistirmos a ela, deveríamos estar na linha de frente, junto aqueles que trabalham por uma modificação progressiva, para fazer com que a mudança realmente expresse, cada vez mais, a dignidade do homem e seja mais agradável ao Deus que os criou. Numa recente visita aos Estados Unidos, fiquei impressionado com um grupo de estudantes que encontrei em Trinity Evangelical Divinity Shooll, em Deerfield, llinois. Eles pertenciam aos mais diversos grupos, mas achavam-se unidos no compromisso para com o cristianismo bíblico, no desencanto com muito do cristianismo americano contemporâneo e na determinação de descobrir uma aplicação radical do cristianismo bíblico aos grandes assuntos do dia. De modo que eles se reuniam num grupo de estudo e oração, do qual surgiu a coligação Cristã do Povo (The People’s Christian Coalition), cujo órgão oficial é o “The Post-American”. O primeiro número publicado em fevereiro de 1971 tinha uma representação do Senhor Jesus na primeira folha, coroado com espinhos, manietado e envolto com as estrelas e listas da bandeira americana. Muitos pensaram que o retrato fazia paralelo com a blasfêmia. Mas eu não compartilhei com a mesma reação. Pelo contrário, achei que foi uma expressão genuína que eles tinham pela honra de Cristo. Jim Wallis publicou no seu editorial: “A ofensa da religião estabelecida é a proclamação e a prática de uma caricatura de cristianismo inculturado, domesticado e sem vida, que nossa geração fácil e naturalmente rejeita. Nós achamos que a igreja americana está cativa dos valores e estilo de vida da nossa cultura. O cativeiro da igreja americana tem resultado na desastrosa equação: a maneira americana de vida somada à maneira cristã de vida”.

Exatamente o mesmo poderia ser dito da expressão cultural do cristianismo em outras partes do mundo. Este é um dos principais problemas em muitas igrejas do Terceiro Mundo, que foram estabelecidas por missões da Europa e da América do Norte, e estão agora procurando suas próprias identidades indígenas. Estas igrejas confrontam-se com dois problemas culturais. O primeiro diz respeito à cultura nativa ou tribal, talvez especialmente na África. Os líderes nacionais reconhecem que alguns costumes africanos tradicionais refletem a origem pagã e são incompatíveis com a fé, amor e justiça cristã. O segundo problema diz respeito à cultura estrangeira (seja européia ou americana) que, muito freqüentemente, foi importada para o Terceiro Mundo com o Evangelho. É, em parte, porque esta invasão cultural tem parecido para muitos como uma afronta à própria dignidade nacional, é que muitos deles chegaram ao “fora com a religião do homem branco”. Naturalmente, o clamor está errado. Cristianismo não pertence ao homem branco e, nem tampouco, a qualquer outro grupo de homens. Jesus Cristo é Senhor de todas as raças, países e épocas, sem qualquer discriminação. Contudo, é certo para os africanos, asiáticos e latinos americanos procurar desenvolver suas próprias expressões indígenas da verdade cristã. Nesse sentido, o Dr. René Padilha fez um apelo eloqüente no Congresso Internacional sobre Evangelização Mundial, em Lausanne, em julho de 1974, quando atacou o que chamou de “cristianismo cultural”.

Por conseguinte, líderes cristãos de igrejas jovens necessitam de grande sabedoria para discernir não apenas entre cultura nacional e cultura importada, mas, também, entre o que em ambas as culturas é honrável a Cristo e o que não é; o que tem valor e o que não tem. Eles precisam, também, coragem para reter uma coisa e rejeitar a outra.

O cristianismo europeu cujas raízes alcançam, aproximadamente, 2000 anos, está, também, profundamente enraizado na cultura dos séculos. Não é sem sentido que podemos falar sobre luteranismo, anglicanismo, presbiterianismo, metodismo e, mesmo, irmanismo. Cada um deles é uma forma tradicional ou cultural do cristianismo histórico que colore não somente nossos formulários doutrinários, mas nossa liturgia (ou falta de liturgia) e música; o formato e a decoração dos nossos templos, nossos métodos pastorais e evangelísticos, e tudo o que fazemos como igreja. Tudo isto deve ser submetido à investigação bíblica regular e crítica.

Portanto, quando resistimos a mudanças - sejam elas na igreja ou na sociedade devemos perguntar-nos se são, na realidade, as Escrituras que estamos defendendo (como é nosso costume insistir ardorosamente) ou, se ao contrário, é alguma tradição apreciada pelos anciãos eclesiásticos ou de nossa herança cultural. Isto não quer dizer que todas as tradições, simplesmente por serem tradicionais, devam a qualquer custo ser lançadas fora. Iconoclasmo sem crítica é tão estúpido quanto conservantismo em crítica, e é algumas vezes mais perigoso. O que eu estou enfatizando é que nenhuma tradição pode ser investida com uma espécie de imunidade diplomática à examinação. Nenhum privilégio especial pode ser-lhe reivindicado.

Quando, por outro lado, clamamos por mudanças, devemos estar certos de que não é contra as Escrituras que estamos nos rebelando, mas contra alguma tradição não-bíblica, que é portanto, aberta à reforma.

Se é “não-bíblica” no sentido de ser claramente contrária às Escrituras, então devemos atacar o assunto corajosamente e trabalhar muito para sua abolição. Se é “não- bíblica” no sentido de não ser requerida pelas Escrituras, então devemos mantê-la sob revisão crítica.

Mas freqüentemente do que a maioria de nós sabe ou procura admitir, nós revestimos nossas idéias e costumes culturais com uma autoridade, verdade e imutabilidade que somente pertencem às Escrituras. Mas são parte da nossa segurança. Quando são ameaçados, nós nos sentimos ameaçados também. Assim, evitamos qualquer risco e lutamos vigorosamente para defender essas coisas, às quais nos agarramos.

Outras vezes, nós nos posicionamos por demais fracamente em relação às Escrituras e tratamos a Palavra de Deus como se pudéssemos colocá-la de lado tão facilmente quanto o fazemos com as opiniões e tradições humanas. Por conseguinte, provamos que somos cristãos mundanos, que têm a tal ponto absorvido a onda antiautoritária do mundo que nem mesmo estamos preparados para viver sob a autoridade de Deus e de Sua Palavra, pela qual ele governa o seu povo.

Os crentes contemporâneos são chamados para andar nesta corda apertada. Nós não devemos resistir às mudanças totais. Além disso, mesmo em questões abertas à mudança, devido à liberdade dada pelas Escrituras, não devemos ser inconoclastas. Crentes que crêem no deus da história e na atividade do Espírito Santo no decorrer da história da Igreja, não podem deleitar-se com mudanças, simplesmente por mudar. Algumas vezes, como Jesus disse, “melhor é o velho “ (Lc. 5:39), porque tem agüentado a prova do tempo. Devemos, também, ser sensíveis ao conservantismo dos crentes de gerações mais antigas; eles não puderam adaptar-se com facilidade a mudanças, mas foram mais facilmente feridos e perturbados por isso. Somos chamados para um sábio discernimento; instruídos por uma perspectiva bíblica, para que sejamos apreciadores do legado do passado e responsáveis pela disposição do presente. Somente então poderemos aplicar para toda a cultura (na Igreja e na sociedade) um cristianismo bíblico radical e procurar o que nós cremos que poderia ser mudado para melhor, sob a orientação de Deus.

Os nossos reformadores da igreja da Inglaterra do século dezesseis entenderam bem este princípio, pelo menos na sua aplicação à reforma eclesiástica. Na pequena impressão do Livro de Oração comum há um prefácio intitulado “Das Cerimônias”, que explica porque algumas são abolidas e outras retidas. Isto foi incluído no primeiro Livro de Oração reformado de 1549, que foi provavelmente composto pelo próprio arcebispo Crammer. Ele considera que, “neste nosso tempo, as mentes dos homens são tão diferentes que alguns pensam que é um grande problema de consciência abandonar, por menor que seja, as cerimônias, pois eles estão presos aos costumes antigos, mas, por outro lado, alguns são tão modernos que inovariam todas as coisas e, assim, desprezariam as antigas, de maneira que somente o que é novo lhes é favorável’. Similarmente ao prefácio, que explica os princípios que regeram a revisão do “Livro de Oração” em 1662, começa: “Tem sido sábia por parte da igreja da Inglaterra, desde a primeira compilação da Liturgia Pública, manter um equilíbrio entre os dois extremos, de rigidez demasiada em recusar, e de facilidade demasiada em admitir, qualquer alteração disto. “Possa Deus dar-nos esta mesma sabedoria hoje e, também, dar-nos a coragem de aplicá-la não somente para os assuntos eclesiásticos, mas também nos assuntos sociais, éticos e políticos!

Talvez eu poderia expressar-me em termos biológicos para dizer que nós necessitamos de moscas varejistas cristãs para aferroar-nos e impelir-nos a agir em busca de mudanças e, também de cães de guarda cristãos que latirão, alta e longamente, se mostramos qualquer sinal de comprometimento da verdade bíblica. Nenhum dos dois, moscas varejistas e cães de guarda, são companhias fáceis de se conviver com eles, nem tampouco acham eles a companhia um do outro compatível. Contudo, as moscas varejistas não devem picar os cães de guarda, nem devem os cães de guarda comer as moscas varejistas. Eles devem aprender a coexistir na Igreja de Deus e a executarem seus papéis ao concentrar a atenção em nós, a maioria do povo de Deus, que, desesperadamente, necessitamos do ministério de ambos.

Tendo advertido sobre os perigos de mudanças demasiadas ou de nenhuma, concluo este capítulo dizendo que o perigo maior (pelo menos entre os evangélicos) é confundir cultura com Escrituras, ser conservador e tradicionalista demais, estar cego a todas as coisas, na Igreja e na sociedade, que desagradam a Deus e que deveriam, portanto, desagradar-nos, ter os pés enterrados no status quo e resistir firmemente à mais desconfortável de todas as experiências: MUDANÇAS.

FONTE:Cristianismo Equilibrado


John R. W. Stott


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